UMA NOITE DE SABEDORIA ARCANA


Às vezes as noites na floresta são estranhas. Me recordo de que desde pequena fui ensinada a não temer nada, afinal, morar numa floresta não é algo simples como pregam as pessoas que vivem nas cidades, não durante a noite.

Minha avó, uma bruxa centenária, aprendeu com suas antecessoras que não podemos ser vítimas de uma sociedade doente e crescente. Elas sabiam uma terrível verdade, pela qual muitas pagaram com suas vidas. Essa verdade, ou melhor, essa cura que elas promoviam, envolvia libertar as pessoas de seus medos.

Me recordo que certa vez minha avó foi chamada às pressas, por uma pessoa que vivia no vilarejo próximo, para atender duas crianças. Ao chegar lá as crianças choravam sem parar e apontavam para um canto escuro que levava a floresta. Elas pareciam aterrorizadas e pouco ouviam o que as pessoas diziam e não se acalmavam. Minha avó pegou os dois no colo dela, pediu que a deixassem com as crianças e eu, ela disse para as crianças que agora elas tinham uma grande guerreira ao lado delas e que poderiam com muita perseverança vencerem esses e outros monstros que as assustavam.

Ela me disse que aquilo era parte de um chamado para mim, pois segundo ela, era hora de me tornar destemida.

As crianças por um momento pararam de chorar copiosamente e se olharam, ao notar o medo um no outro, voltaram a se desesperar. Minha avó pediu a elas que somente olhassem para ela e contou a uma história boba sobre um macaco que lutava contra um exército de formigas, mas enquanto contava a história ela se movia, indo em direção ao local onde as crianças antes apontavam. Foi então que ela parou a história e disse a eles sobre onde eles estavam. Eles viram logo que não havia nada mais ali e um até riu ao ver o quão bobo foi seu desespero. Minha avó então pegou um raminho de arruda que carregava atrás da orelha e os abençoou pedindo os bons deuses que protegessem as crianças.

Apesar de parecer incrédula de houvesse algo na floresta minha avó voltou ao local onde as crianças haviam apontado e quase que sussurrando me disse algo sobre essa ser uma excelente oportunidade para mim. Eu estava com frio, com medo e com sono, eu não estava no meu melhor momento para caminhadas e ensinamentos na floresta tarde da madrugada. Ela me disse que aquilo era parte de um chamado para mim, pois segundo ela, era hora de me tornar destemida.


Como uma moradora de uma floresta eu posso lhe dizer o que cada som é, eu reconheço o som que cada animal faz, mas também ouço bem os passos dos espíritos lamuriosos sobre a terra. Naquela noite eu havia sentido um frio maior que o comum, me arrepiando toda. Logo depois senti como se fosse observada, o que me deixou num estado de ansiedade em poucos segundos. Minha avó me disse que ela me ajudaria e me socorreria se eu gritasse de medo, mas que aquilo seria minha oportunidade de ser livre de qualquer monstro, e eu confiava nela, então ouvi bem suas instruções de ir até onde o meu medo dizia ser maior o perigo que espreitava e mostrar ao meu medo o quanto eu estava brava. Segui até uma clareira onde me sentia rodeada de sombras e formas sinistras e gritei para as sombras que elas eram idiotas, ignorantes e feias. Minha avó se aproximou sorrindo e disse que isso me bastava por hora para enfrentar qualquer coisa no meu caminho.

O caminho do “conheça a si mesmo” é um caminho longo, mas conforme caminhamos nossa jornada na Terra, conhecemos aspectos profundos de nós mesmos e descobrimos que no medo há poder. 

Os tempos mudaram, eu mudei, mas agora entendo que parte fundamental de ser uma bruxa é conquistar medos. O caminho do “conheça a si mesmo” é um caminho longo, mas conforme caminhamos nossa jornada na Terra, conhecemos aspectos profundos de nós mesmos e descobrimos que no medo há poder. 

Entenda peregrino, que nada do que falo aqui é sobre ser negar o medo, mas sobre transformar o medo em poder. Uma bruxa jamais terá repulsa pelo sentimento de medo, ela o converte em curiosidade e com isso o horror não tem força para se instalar. Minha avó me ensinou que não há necessidade de ser forte, sempre compartilhei com ela meus medos, minhas ansiedades, contei a ela sobre cada um e ela me ajudou a encarar todos com firmeza em minha palavra.

Naquela noite minha avó me disse que aquelas crianças que visitamos mais cedo eram bruxas, que elas tinham o dom mágico de ver os espectros do outro mundo, mas que se dissesse isso aos pais das crianças eles as abandonariam, e no mais, se fosse o destino delas, elas se tornariam um dia conscientes de sua natureza. Até lá, seriam atormentadas pelos medos adquiridos das pessoas com quem vivem. Um dia, elas aprenderão que elas são o que elas temiam, e quando isso acontecer, seus medos serão superados e poderão lembrar de sua ferocidade.

Madam Leonora

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